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Escrituração Contábil para Pequenas Empresas

Uma gestão contábil organizada é essencial para a saúde financeira e o crescimento sustentável de qualquer pequena empresa. A escrituração contábil é o registro sistemático de todas as operações financeiras (receitas, despesas, ativos, passivos e patrimônio líquido) realizadas por uma empresa. Este guia detalhado apresenta passo a passo como estruturar e manter uma escrituração contábil eficiente, desde conceitos básicos até melhores práticas, ajudando empreendedores a evitar erros e a tomar decisões mais assertivas.


1. O que é Escrituração Contábil

1.1 Definição

A escrituração contábil é o processo de lançar e organizar, de forma cronológica e ordenada, todas as transações financeiras de uma empresa. Esses registros compõem os livros contábeis (Diário e Razão) e geram demonstrações financeiras (Balanço Patrimonial, Demonstração de Resultado do Exercício etc.) que refletem a real situação econômica do negócio.

1.2 Importância para Pequenas Empresas

  1. Conformidade Legal:
    A legislação brasileira exige que todas as empresas — inclusive pequenas — mantenham escrituração contábil adequada para comprovar rendimento, pagar impostos corretamente e apresentar demonstrações financeiras quando necessário .
  2. Tomada de Decisão:
    Dados contábeis organizados permitem analisar a lucratividade, identificar gargalos de caixa, planejar investimentos e definir estratégias de crescimento.
  3. Acesso a Crédito e Investimentos:
    Bancos e investidores solicitam demonstrações financeiras confiáveis para avaliar risco e viabilidade antes de conceder empréstimos ou aportes.
  4. Planejamento Tributário:
    Com registros claros, o contador pode identificar oportunidades de redução de carga tributária, escolher o regime fiscal mais adequado e evitar multas por erro de cálculo.

2. Tipos de Regimes Contábeis

A forma de escrituração depende do regime tributário e do porte da empresa:

2.1 MEI (Microempreendedor Individual)

  • Obrigatoriedade de Escrituração Simplificada: O MEI está dispensado da escrituração contábil formal (Diário e Razão). Porém, deve manter registros básicos de receitas e despesas em planilha para calcular o faturamento anual e preencher a Declaração Anual do Simples .
  • Registro de Notas Fiscais Emitidas e Recebidas: Mesmo sem livro contábil, é recomendado arquivar notas fiscais de venda e notas fiscais de compra.

2.2 Simples Nacional (Microempresa e Empresa de Pequeno Porte)

  • Escrituração Estimativa ou RF (Registro de Fatos Contábeis):
    Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) optantes pelo Simples Nacional não são obrigadas a manter livro Diário e Razão, mas devem registrar fatos contábeis relevantes (aquisição de bens, contratos de financiamento, distribuição de lucros etc.) e comprovar receita, insumos e folha de pagamento .
  • DAS e Declarações Acessórias: Manter notas fiscais, comprovantes de despesa e balancetes mensais facilita a apuração e o preenchimento da Escrituração Fiscal Digital (EFD) quando exigido.

2.3 Lucro Presumido e Lucro Real

  • Escrituração Completa Obrigatória:
    Empresas tributadas pelo Lucro Presumido ou Lucro Real devem manter livros contábeis formais (Diário e Razão) e escriturar, mensalmente, todas as transações, incluindo lançamentos de apropriação de custos, alocação de despesas, apuração de impostos e elaboração de demonstrações financeiras .
  • Demonstrações Financeiras Detalhadas: Devem gerar Balanço Patrimonial, Demonstração de Resultado, Demonstração de Fluxo de Caixa (DFC) e Demonstração de Mutações do Patrimônio Líquido (DMPL) para fins de IRPJ, CSLL e controle interno.

3. Passo a Passo para Implementar a Escrituração Contábil

3.1 Escolha do Software ou Sistema de Gestão

  1. Critérios de Seleção:
    • Facilidade de uso: Interface intuitiva, fluxos de trabalho simplificados.
    • Recursos Essenciais: Emissão de relatórios contábeis (balancetes, razão, balancete de verificação), integração com nota fiscal eletrônica (NF-e), controle de contas a pagar/receber e conciliação bancária.
    • Suporte a Obrigações Fiscais: Geração de guias de impostos (DAS, DARF, GPS), integração com SPED Contábil e Fiscal quando aplicável.
    • Escalabilidade: Capacidade de crescer com o negócio, adicionando módulos (folha de pagamento, CRM, ERP) conforme necessário.
  2. Opções no Mercado:
    • Sistemas Gratuitos ou de Custo Reduzido: Contmatic Phoenix, Nibo, QuickBooks, Conta Azul (cada um com planos para pequenas empresas).
    • ERP Completo: Totvs Protheus, SAP Business One (mais indicado para empresas que pretendem escalar rapidamente e precisam de módulos avançados).

3.2 Organização dos Documentos e Arquivos

  1. Notas Fiscais:
    • Entrada (Compras): Classifique por fornecedor, data e categoria (insumos, serviços, ativo).
    • Saída (Vendas): Identifique cliente, venda a prazo ou à vista, classe de receita (produto, serviço).
  2. Comprovantes de Pagamento:
    • Extratos Bancários: Realize conciliação bancária mensalmente para identificar lançamentos automáticos e correspondê-los aos registros contábeis.
    • Recibos e Boletos: Organize por data de emissão, liquidado ou pendente, associando ao lançamento correto.
  3. Documentos de Folha de Pagamento:
    • Contratos de Trabalho, Holerites e GPS: Se a empresa tiver funcionários, é obrigatório manter registros de folha de pagamento e boletos de INSS/FGTS.
  4. Contratos e Financiamentos:
    • Arquive contratos de aluguel, de prestação de serviços, empréstimos e financiamentos para apropriação de despesas e cálculo de depreciação.

3.3 Plano de Contas na Escrituração Contábil

  1. Definição de Categorias:
    Estruture um plano de contas alinhado à atividade da empresa, separando:
    • Ativo Circulante: Caixa, bancos, contas a receber, estoques.
    • Ativo Não Circulante: Imobilizado (máquinas, equipamentos), intangível (softwares, marcas).
    • Passivo Circulante: Contas a pagar, salários a pagar, tributos a recolher.
    • Passivo Não Circulante: Empréstimos e financiamentos de longo prazo.
    • Patrimônio Líquido: Capital social, reservas, resultados acumulados.
  2. Detalhamento:
    Para pequenas empresas, um plano de contas com 50 a 100 contas costuma ser suficiente, desde que contemple todas as categorias de receita, despesa, ativo e passivo. Acompanhe a NBR 16.282 (norma contábil) como referência.

3.4 Registro dos Lançamentos na Escrituração Contábil

  1. Lançamentos Contábeis Básicos:
    • Débito e Crédito: Toda transação deve afetar ao menos duas contas (Partida Dobrada).
    • Classificação Correta: Despesa com infraestrutura vai em Despesas Administrativas; aquisição de mercadorias em Estoques; pagamento de aluguel em Despesas de Aluguel.
  2. Periodicidade:
    • Mensal: Lançamento de receitas, despesas, folha, impostos e conciliações.
    • Anual: Ajustes de encerramento de exercícios (provisões, ajustes de estoque, apropriação de receita diferida, depreciação).
  3. Conciliação Bancária:
    • Compare extratos bancários aos lançamentos contábeis para certificar que não há divergências.
    • Identifique lançamentos pendentes (boletos não compensados, tarifas bancárias) e registre-os.

3.5 Apuração de Impostos

  1. Simples Nacional:
    • Guia DAS: Mensalmente, gere o Documento de Arrecadação do Simples (DAS) de acordo com a atividade e receita bruta acumulada.
    • DASN-Simei: Entregar Declaração Anual do Simples (até 31 de maio) informando faturamento real.
  2. Lucro Presumido e Lucro Real:
    • DCTF, ECF e SPED Contábil:
      • DCTF (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais): Mensal ou trimestral, conforme regime.
      • ECF (Escrituração Contábil Fiscal): Anual, para transmitir o IRPJ, CSLL, PIS, COFINS.
      • SPED Contábil (ECD) e SPED Fiscal (EFD):
        • ECD (Escrituração Contábil Digital): Envia o Livro Diário e Razão em formato digital (Janeiro a Dezembro).
        • EFD (Escrituração Fiscal Digital): Para controlar ICMS e IPI (se aplicável).
  3. ISS e ICMS (quando aplicável):
    • Registre mensalmente a apuração do ISS (serviços) ou ICMS (mercadorias), gerando guias específicos para recolhimento.

3.6 Geração e Análise de Relatórios

  1. Balancetes Mensais:
    • Verifique saldos de todas as contas, conferindo consistência antes de fechar o período.
    • Identifique valores negativos em contas patrimoniais (indicador de lançamentos errados) e corrija imediatamente.
  2. Demonstrações Financeiras:
    • Balanço Patrimonial: Apresenta ativos, passivos e patrimônio líquido em data-base (normalmente 31/12).
    • Demonstração de Resultado do Exercício (DRE): Detalha receitas, custos e despesas, evidenciando lucro ou prejuízo.
    • Demonstração de Fluxo de Caixa (DFC): Analisa entradas e saídas de caixa operacionais, investimentos e financiamentos (fundamental para pequenas empresas controlarem liquidez).
    • DMPL (Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido): Revela alterações no patrimônio ao longo do exercício (aumentos de capital, distribuição de lucros).
  3. Relatórios Gerenciais:
    • Relatório de Vendas por Produto/Serviço: Identifica itens mais e menos rentáveis.
    • Relatório de Contas a Receber/Pagar: Auxilia no controle do fluxo de caixa e no planejamento de pagamentos.
    • Análise de Indicadores Financeiros: Margem de lucro, giro de estoques, prazo médio de recebimento e pagamento.

4. Boas Práticas e Dicas Extras

4.1 Periodicidade Rigorosa

  • Lançamentos Diários ou Semanais: Quanto mais rápidos forem os registros após a transação, menor o risco de erros e perdas de documentos.
  • Fechamento Mensal: Não deixe para depois: realize todas as conciliações e apurações antes do final do mês para manter a contabilidade sempre atualizada.

4.2 Ambiente e Organização de Arquivos na Escrituração Contábil

  • Digitalização de Documentos: Escaneie notas fiscais, recibos e contratos usando nomenclatura padronizada (ex.: “2023-05-15_Fatura_FornecedorABC.pdf”).
  • Backup Contínuo: Utilize serviços em nuvem (Google Drive, OneDrive) ou servidor local seguro para manter cópias redundantes.

4.3 Controles Internos

  • Separação de Funções: Em equipes pequenas, defina papéis claros (quem emite nota, quem concilia banco, quem revisa lançamentos) para evitar fraudes e erros.
  • Checklist de Fechamento Contábil: Tenha uma lista de tarefas (conciliação bancária, verificação de estoques, provisões, pagamentos de folha, revisão de lançamentos) a ser seguida rigorosamente mês a mês.

4.4 Capacitação e Atualização

  • Cursos de Contabilidade Básica: Para empreendedores que desejam entender melhor os registros, há plataformas gratuitas e pagas (Sebrae, Senai, Coursera) com conteúdos introdutórios.
  • Atualizações na Legislação: A legislação tributária e contábil muda com frequência. Inscreva-se em newsletters de sites confiáveis (Receita Federal, SEBRAE, CRC) e participe de seminários online.

5. Principais Erros a Evitar

  1. Mesclar Contas Pessoais e Empresariais:
    • Nunca use conta bancária ou cartão pessoal para despesas da empresa. Isso complica a conciliação e gera riscos fiscais.
  2. Não Registrar Pequenas Despesas:
    • Custos com material de escritório, transporte ou pequenos serviços devem ser contabilizados para não distorcer resultados.
  3. Apropriação Incorreta de Custos:
    • Classificar gastos operacionais (energia, aluguel, manutenção) como investimento em ativo imobilizado ou vice-versa prejudica a análise da lucratividade.
  4. Cabeça no Caixa e Não no Resultado:
    • Focar apenas no fluxo de caixa imediato sem considerar despesas futuras pode dar falsa sensação de saúde financeira.
  5. Esquecimento de Obrigações Acessórias:
    • SPED, ECF, DCTF e outras declarações têm prazos rígidos. Atrasos geram multas elevadas.

6. Quando Contratar um Contador

Embora muitos pequenos empresários tentem administrar a contabilidade por conta própria, há momentos em que é imprescindível contar com um profissional:

  • Crescimento do Negócio: Ao ultrapassar R$ 4,8 milhões/ano (limite do Simples Nacional), quase sempre é necessário migrar de regime e adotar contabilidade completa.
  • Operações Complexas: Quando há inventário de estoque grande, operações de importação/exportação, aquisição de ativos imobilizados ou abertura de filiais.
  • Planejamento Tributário: Para identificar renúncias legais e orientar sobre incentivos fiscais (Lei do Bem, ICMS reduzido, crédito de PIS/COFINS).
  • Divergências e Auditorias: Se ocorrer reinvindicação de créditos tributários ou necessidade de auditoria financeira para potenciais investidores ou bancos.

7. Exemplos de Cenários de Escrituração Contábil

7.1 Pequeno Comércio (Simples Nacional)

  • Lançamento de compra de mercadorias:
    • Débito: Estoque
    • Crédito: Fornecedor
  • Venda de mercadorias:
    • Débito: Caixa/Banco ou Contas a Receber
    • Crédito: Receitas de Vendas
    • Crédito: ICMS a Recolher (proporcional)

7.2 Prestador de Serviços (MEI) e Escrituração Contábil

  • Registros básicos em planilha:
    • Coluna 1: Data
    • Coluna 2: Descrição (serviço prestado)
    • Coluna 3: Valor Receita
    • Coluna 4: Despesa (combustível, hospedagem, material)
    • Coluna 5: Saldo (Receita – Despesa)

7.3 Empresa de Serviços (Lucro Presumido) e Escrituração Contábil

  • Lançamentos mensais de folha:
    • Débito: Despesa de Salários
    • Débito: Encargos Sociais (INSS Patronal, FGTS)
    • Crédito: FGTS a Recolher
    • Crédito: INSS a Recolher
    • Crédito: Banco (pagamento líquido)
  • Provisão de IRPJ/CSLL trimestral:
    • Débito: Despesas com IRPJ/CSLL
    • Crédito: IRPJ/CSLL a Recolher

8. Conclusão

A escrituração contábil é o alicerce de uma gestão financeira eficiente em qualquer pequena empresa. Seguir este guia passo a passo — escolhendo o sistema correto, organizando documentos, estruturando o plano de contas, registrando lançamentos com disciplina e apurando impostos rigorosamente — garante não apenas conformidade legal, mas fornece informações valiosas para a tomada de decisão.

Próximos passos recomendados para o empreendedor:

  1. Escolha imediata de um software de contabilidade ou ERP adequado ao porte da empresa.
  2. Organização dos documentos existentes: digitalize e categorize notas, comprovantes e extratos.
  3. Definição de um calendário contábil: estabeleça datas fixas para fechamento de mês, conciliação bancária e pagamento de impostos.
  4. Consulta a um contador de confiança para revisar o plano de contas, validar registros iniciais e orientar em relação a obrigações acessórias.

Com uma escrituração contábil bem estruturada, o empresário ganha controle, visibilidade e segurança para crescer e enfrentar desafios, transformando números em dados estratégicos que impulsionam resultados.

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